“Lugar de mulher é onde ela quiser”
As escolas deveriam oferecer horizontes para o futuro de estudantes. Comentar sobre as diversas profissões e as possibilidades de atuação na vida adulta. Mais que isso, o ensino deveria ser honesto e falar sobre as dificuldades que muitas pessoas têm que enfrentar em função de classe, gênero e raça. Foi com isso em mente que surgiu o projeto #ElasNaEscola, uma iniciativa da ONG #ElasNoPoder para democratizar saberes sobre as diferentes escolhas de vida para as mulheres. O público alvo foram meninas negras de escolas públicas em Brasília e suas cidades satélites.
“Eu sou geóloga e professora de matemática de formação, então conversei com as participantes sobre a frente de mulheres negras em disciplinas de exatas, que são predominantemente dominada por homens brancos”, relata Estefany Alves, uma das voluntárias do projeto #ElasNaEscola.
Estefany contou ver a evolução das meninas ao longo dos encontros. “Eram meio inseguras no início (…) A princípio, muitas não quiseram falar sobre elas mesmas, sobre suas ambições. E aí, no mesmo dia, ao final do encontro, já estavam cheias de amizade. Foi muito interessante apresentar mulheres em locais de poder, e elas se verem ali e falar: ‘Eu também quero ser uma advogada, eu também quero ser uma política, eu também quero ser uma professora, quero ser uma cozinheira'”.
Camilla Ferreira Alves, voluntária na parte organizacional, relata como o projeto ajudou as participantes a ampliar suas visões sobre o mundo. “Eu percebi que foi uma abertura de visão para outras perspectivas. Que não é só o gênero branco masculino que está ali presente, mas também que há mulheres negras atuando em várias áreas. No colégio a gente só vê nos livros didáticos falando sobre o homem branco, e sobre o homem na ciência. Toda vez que a gente vai falar sobre as mulheres, todo mundo fala ‘ah, nunca ouvi falar'”.
O ensino de línguas também foi relevante para o projeto. Estefany explica que “a grande maioria das participantes não tinha nem conhecimento do que era o centro de línguas. A gente fez um encontro em um, e aí elas falaram ‘nossa tem um centro de línguas na Ceilândia? Posso fazer uma aula gratuita fora da minha escola?’ Então era algo que elas não sabiam de fato”.
O Centro Interescolar de línguas (CIL) surgiu em 1975 no DF para fazer frente aos desafios do ensino de línguas estrangeiras nas escolas regulares. Com aulas no contraturno escolar, o centro de línguas apoia o ensino de língua inglesa e de outros idiomas para alunas e alunos a partir do sexto ano do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A iniciativa existe no DF e também em outro estados da federação.
Para além do ensino de língua inglesa, o projeto debateu diferentes formas de representatividade e inserção na sociedade, a partir do contato com pessoas mais velhas. “Teve uma convidada que era empreendedora e trancista. As meninas adoraram falar sobre identidade, cabelo e esse tipo de coisa. No mesmo dia teve uma jornalista, e foi muito bacana, porque duas meninas falaram que queriam seguir essa profissão”, conta Estefany.
As dificuldades também foram tratadas. Com uma abordagem de diálogo, as meninas foram estimuladas a questionar o mundo ao redor, em uma perspectiva empoderadora. “É bem legal ver essa evolução. No primeiro encontro elas não faziam perguntas tão tensas de se responder. No último dia, elas já falavam mais. Perguntavam: ‘Por que foi fácil para você? E você veio de onde? Você estudou em escolas públicas ou particulares? Como foi isso?’ Aí a gente pode perceber que elas já estavam criando uma consciência de classe. Não é porque todas somos negras ou mulheres que a gente partiu do mesmo ponto”.
Outra conquista do programa foi expandir a visão das alunas, demonstrando a importância de diferentes profissões. “[A princípio] queriam ser advogada e juíza. Foi legal a gente mostrar para elas que espaço de poder são vários espaços. Que a profissão de professora ou de cozinheira também podem ser espaços de poder. No último dia, uma menina comentou isso. A gente estava falando sobre várias profissões e ela disse ‘ah, a mulher que está fazendo lanche’. Foi muito legal, ela ver que isso também pode ser um espaço de poder”.
O projeto impacta a vida dessas meninas, potencializando os seus sonhos, com consciência das dificuldades e de algumas formas de enfrentá-los. “Sempre uma ação tem uma reação. É positivo mostrar para crianças a realidade do mundo, que não é só restrito àquilo que elas vêem, que não é só homem branco cientista, mas também têm mulheres negras de poder em várias áreas”, Camilla comenta. Afinal de contas, lugar de mulher é onde ela quiser. Ou pelo menos, é assim que tem que ser.