Janaina da Silva Cardoso
A história de Janaina da Silva Cardoso é de superação e de luta por igualdade e libertação. Sua trajetória representa uma de suas grandes causas: a luta por um inglês emancipador capaz de funcionar como instrumento de ascensão social. Primeira diretora negra da faculdade de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi professora de Anielle Franco, atual Ministra da Igualdade Racial, e irmã de Marielle, vereadora do Rio de Janeiro, assassinada em março de 2018. Janaina vê a educação, a democracia e a representatividade como importantes pilares na luta por um ensino de línguas mais inclusivo.
Hoje doutora, professora e diretora universitária, Janaina lamenta que a educação em inglês de qualidade não esteja disponível para todas as pessoas. “Quem pagou meu curso de inglês foi uma pessoa branca, que a gente considerava como tia. Se ela não tivesse pago o inglês, eu não teria condições de estar aqui agora (…) a língua inglesa abre portas para outros estudos, conhecimentos, culturas… É esse o lado bom da coisa. Eu gostaria que todas as pessoas tivessem a mesma oportunidade, mas infelizmente não é verdade”, afirma.
A importância da educação foi algo que Janaina sempre carregou. Aprendeu desde cedo, com a sua mãe, que a educação transforma. “Em casa, minha mãe só tinha inicialmente o primário. Ela fez o segundo grau ao mesmo tempo que eu. Mas a gente tinha um aspecto cultural muito forte de que ‘precisamos sair disso aqui, precisamos sair dessa condição’. E a minha mãe sempre disse que tem que ser a partir da educação. (…) Eu também não abaixei a cabeça, continuei a seguir, e eu fui seguindo”, recorda Janaina.
E seguiu, até se tornar a primeira diretora negra da faculdade de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, uma das instituições mais respeitadas do país. A eleição para o cargo de diretora só foi possível graças ao apoio dos alunos. “Mesmo amigos meus achavam que eu não ganharia a eleição. Cada voto de professor equivale a 11 votos de aluno. (…) Eu não ganhei pelos votos dos professores, pois apenas 40% votaram em nossa chapa. (…) Não foram só negras que votaram, não foram só mulheres, não foram só homossexuais, não foram só indígenas. Foi um grupo [de alunas e alunos] que dizia: ‘Nós queremos ser ouvidas.'” afirma Janaina.
Mesmo com a conquista, ainda existe preconceito e racismo dentro da universidade. “Aqui na universidade nunca acham que eu sou professora. Muitas vezes, vêm e perguntam [no começo da aula]: ‘Cadê a professora?’ Tem aproximadamente 160 ou 170 professores na faculdade. Mas somente dez são negros.” relata Janaina.
A situação espelha a não aceitação de minorias em cargos de influência. Sobre isso, Janaina conta que “a colega Aparecida de Jesus Ferreira, que trabalha com a teoria crítica racial, fez um exercício de jogar no Google Imagens o termo “médica”, para ver quando aparece uma médica negra. Também com engenheiro, e professor, mostrando como isso aparece”.
Na visão da diretora, o inglês deveria ser ferramenta empoderadora, capaz de ajudar pessoas marginalizadas a terem suas vozes e habilidades valorizadas. O que somente seria possível em uma perspectiva de inglês decolonial. “Todo mundo está falando agora, inglês decolonial e tal. O que acontece é que precisamos trabalhar por justiça social. Paulo Freire já falava sobre isso, há não sei quanto tempo. Ainda não conseguimos sair da educação bancária”. Comenta Janaina, se referindo às críticas de Paulo Freire a uma educação baseada no frio “depósito” de informações de um professor na cabeça de estudantes. Em lugar desse formato, denominado “educação bancária”, Paulo Freire defendia uma educação libertadora, capaz de valorizar a vida e o contexto do educando. Para Janaina, o inglês decolonial tem que ser libertador.
No contexto da língua inglesa, o avesso da educação decolonial e libertadora seria um inglês colonialista, baseado no “depósito” de modelos únicos de aprendizado. “A questão ‘ah, você não fala inglês direito, você não fala como nativo’… Que é o ‘complexo do vira-lata’. Por exemplo, quando se vê anúncios que promovem aulas de inglês com professores nativos. Isso é um problema, pois perpetua a ideia de que só se fala inglês direito se for nativo. (…) É importante entender isso, que nós não somos menores, que professores brasileiros de inglês têm o mesmo valor que professores de fora. E que cada professor traz uma bagagem única”, comenta.
Para ajudar a efetivar essa visão, Janaina acredita que é importante valorizar o saber, a experiência e o conhecimento de pessoas negras. “Devemos ouvir as associações de professores, universidades e a gente tem que agir no governo também (…) precisamos de mais docentes fazendo pesquisas, principalmente envolvendo professores negros e mulheres. Essas pesquisas precisam ser participativas, ouvindo todas as partes envolvidas”.
Nesse sentido, acredita que a participação de pessoas marginalizadas em espaços de poder pode ajudar a efetivar esse sentimento de representação e aceitação da diversidade, dos saberes e práticas tidos como oficiais “Eu conheci a Marielle [Franco], conversava com a Marielle e dizia para ela ‘você não pode se entregar, tem que fazer um trabalho legal, porque não dá pra errar’. E ela não errou, mas mataram ela”.
A luta continua por meio de outras pessoas, como Anielle Franco, irmã de Marielle e aluna de Janaina. Anielle foi recentemente empossada como Ministra da Igualdade Racial. “Tenho agora a minha aluna como ministra. Ela fez menções a mim [no discurso de posse], e me colocou no mesmo nível de Angela Davis, Carolina de Jesus e Conceição Evaristo. (…) Fico muito emocionada porque Anielle está lá. Eu sempre falo ‘não se esqueça de onde você veio. Se vai subir, não esqueça de onde veio”.
Anielle Franco compartilha com Janaina o entendimento de que o inglês decolonial pode servir como instrumento de emancipação social. Assim como Janaina, Anielle tem formação em língua inglesa. Após a morte da irmã, criou projetos educacionais em que democratiza, entre outros saberes, o conhecimento de língua inglesa. A ideia é dar oportunidades às meninas negras de favelas cariocas.
Janaina pontua que é importante que as pessoas que não escutadas lutem pela sua voz. E vê o inglês, numa perspectiva emancipadora, como ferramenta para a conquista de dignidade e cidadania. Foi assim para ela, e também para Anielle. Sugerir o protagonismo dos excluídos, não significa retirar a responsabilidade dos demais. Como explica Janaína, esperançosa por sociedades e língua inglesa mais democráticas. “Não é preciso ser negro para discutir questões de racismo, nem indígena para discutir questões dos povos originários, nem homossexual para discutir homofobia, nem mulher para discutir questões de gênero. Precisamos discutir com nossos colegas de modo geral, para mudar e diminuir o preconceito”.